Ministro Gilmar Mendes encerra o "I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: Impactos do Tema 1234" no CCJF

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez a conferência de encerramento do I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: Impactos do Tema 1234, na última sexta-feira (21). A apresentação concluiu a programação de conferências e oficinas temáticas iniciada na quinta-feira (20).

Sediado no Centro Cultural Justiça Federal (CCJF), no Centro do RJ, o evento foi realizado pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), pelo Centro de Estudos Judiciários do CJF (CEJ) e pela Escola da Magistratura Regional da 2ª Região (Emarf), com o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Ao iniciar sua conferência, Gilmar Mendes abordou um dos maiores problemas enfrentados pelo Poder Judiciário: a questão da judicialização da Saúde. Para que se tenha uma ideia, entre 2008 e 2015, os gastos com medicamentos judicializados cresceram mais de 1.300%, segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Essa situação acaba gerando impactos significativos para o sistema de saúde, trazendo a necessidade de se encontrar soluções que possam harmonizar os chamados direitos fundamentais com a própria sustentabilidade das políticas públicas.

No fim do ano passado, o STF realizou cerimônia que marcou a conclusão do julgamento de dois recursos com Repercussão Geral (Temas 6 e 1234) ligados ao fornecimento de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E, em setembro de 2024, no julgamento do Tema 1234, analisado no Recurso Extraordinário (RE) 1366243, o STF homologou acordo envolvendo a União, estados e municípios para facilitar a gestão e o acompanhamento dos pedidos de fornecimento de fármacos. Isso representa uma transformação na atuação da Justiça e do Estado para melhorar ações e serviços públicos na área da saúde.

Segundo o ministro, graças ao diagnóstico inicial de inexistência de padronização sobre os conceitos e de relativa descoordernação entre as instâncias, desde a prescrição médica, passando pela fase administrativa de resposta ao requerimento de fornecimento de medicamento até a fase judicial de análise pelo Poder Judiciário e cumprimento das decisões jurisdicionais, percebeu-se que o tema merecia um rearranjo institucional. A partir disso, explicou o ministro, "com o auxílio do Poder Judiciário, buscou-se a correção a partir de três premissas: controle ético da prescrição do profissional de saúde junto aos respectivos conselhos de classes profissionais; mudança de fluxos e padronização na esfera administrativa com unificação em caráter nacional identificando o ente público responsável pelo fornecimento daquele medicamento incorporado na política pública, bem como o responsável pelo fornecimento em caso de acionamento judicial com ressarcimento administrativo entre os entes administrativos; e a alteração da forma de decidir do Poder Judiciário com maior rigor de análise de pedidos judiciais de fornecimento de medicamentos", frisou.

Plataforma nacional

Ainda segundo Gilmar Mendes, uma das inovações mais relevantes trazidas pelo acordo é a criação de uma plataforma nacional. "Antes do acordo, não havia dados precisos sobre custos com aquisição de medicamentos. Tampouco do fluxo de entrega dos fármacos nas vias administrativa e judicial. A tomada de decisões não ocorria a partir de dados consolidados e confiáveis", explicou.

Com o acordo - continuou -, "está sendo criada uma plataforma nacional que centralizará todas as informações relativas às demandas administrativas e judiciais de acesso à fármaco. A plataforma será de fácil consulta ao cidadão, na qual constarão dados básicos para possibilitar a análise e posterior controle judicial". A porta de ingresso à plataforma será via prescrições eletrônicas devidamente certificadas, o que possibilitará o controle ético da prescrição posteriormente através de ofício do ente federativo ao respectivo conselho profissional. “A ferramenta também permitirá a consulta online, facilitando o acompanhamento na eficácia dos tratamentos e a eficiência do gasto", ressaltou.

Transparência e eficiência

Dando continuidade a sua exposição, Gilmar Mendes explicou que a plataforma nacional possibilitará o controle de responsabilidade contínua do serviço de saúde, na medida em que vincula o profissional prescritor do medicamento não incorporado ao SUS pelo acompanhamento clínico do paciente, devendo apresentar periodicamente relatório atualizado sobre seu estado clínico e  informações detalhadas sobre o progresso do tratamento. "Ela será também uma ferramenta importante para garantir a transparência e a eficiência na gestão das demandas por medicamentos, permitindo que os dados sejam compartilhados pelo Judiciário e outras partes interessadas", frisou.    

O ministro ainda detalhou que, após a implementação pelo STF, a plataforma será monitorada e avaliada continuamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para identificar possíveis melhorias e garantir que os objetivos de transparência e eficiência sejam alcançados. "A governança da plataforma envolverá a colaboração entre todos os entes federativos por meio do Ministério da Saúde, do Conass (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde) e Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), centralizada no CNJ, incluindo a CIT (Comissão intergestores tripartite), para garantir que todas as demandas sejam atendidas de forma coordenada e eficiente com os integrantes do SUS e também os órgãos correlatos", destacou.

Implantação

A implantação da ferramenta ocorrerá em etapas. Primeiro, em uma fase inicial de teste, para quem já tem um sistema de gerenciamento de pedidos administrativos, por meio da interoperabilidade. Depois, para quem não tem qualquer sistema de gerenciamento, possibilitando uma integração com a RNDS (Rede Nacional de Dados em Saúde). "Começamos, dia 30 de dezembro do ano passado, a fase de testes com casos reais no Estado de Goiás, em parceria com o governador Ronaldo Caiado. Hoje, já é possível acompanhar em tempo real, na plataforma nacional, o que está ocorrendo no sistema estadual.

Após a fase de testes, será iniciada uma fase de facultatividade voltada à conscientização e à mudança de cultura de todos os profissionais envolvidos, quando será possível ainda prescrever fora do sistema e, posteriormente, ser inserido nele. E, ao fim, a previsão é de que se passe para uma fase de obrigatoriedade, na qual apenas por meio da plataforma será possível realizar pedido administrativo de fornecimento de medicamentos pelo SUS.

Para o ministro, ainda são necessários novos passos na construção dessa iniciativa pioneira. "Mas é possível identificar, que, no futuro, a robustez dos dados permitirá trilhar novos caminhos no sistema público de saúde e maior escrutínio da sociedade", finalizou.

Julgamentos

Outras regras do acordo homologado incluem critérios sobre quem deve julgar as demandas (Justiça Estadual ou Federal), limites para os preços dos medicamentos fornecidos judicialmente e compensações financeiras para estados e municípios que arcarem com tratamentos fora de sua responsabilidade. Também serão definidos conceitos sobre medicamentos já incorporados ao SUS e os que ainda não foram. Nas demandas apresentadas à Justiça Estadual ou Federal, o magistrado deverá avaliar a justificativa da Administração Pública para negar o fornecimento do remédio, e, no caso de medicamentos não incorporados ao SUS, será exigida comprovação científica de sua eficácia, além da ausência de alternativas já disponíveis no sistema.

Agradecimentos

A mesa de encerramento do I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: Impactos do Tema 1234 foi conduzida pelo ministro Luis Felipe Salomão. Na, oportunidade, ele dirigiu um agradecimento a todos os participantes do encontro pelo engajamento com a proposta do evento, bem como manifestou sua gratidão pelo apoio das instituições promotoras do evento.

A coordenação geral do evento esteve a cargo do ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diretor do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF). Já a coordenação científica esteve sob a responsabilidade da desembargadora federal Carmen Silvia Lima de Arruda (TRF2), coordenadora do Comitê Executivo de Saúde do Rio de Janeiro; e da juíza federal Vânila Cardoso André de Moraes, auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça Federal.

Além do ministro Luis Felipe Salomão, da desembargadora federal Carmen Silvia e da juíza federal Vânila Cardoso, compuseram a mesa o ministro Antonio Saldanha Palheiro (STJ); a conselheira do CNJ, Daiane Nogueira de Lira, coordenadora do Comitê Organizador do Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde (Fonajus); a também conselheira do CNJ, Daniela Madeira; e a Dra. Margareth Dalcolmo, membro titular da Academia Nacional de Medicina, embaixadora da vacinação no Brasil pelo Ministério da Saúde.

Oswaldo Cruz

Na ocasião, a Dra. Margareth Dalcolmo, médica pneumologista da Fiocruz, agradeceu o convite para prestigiar o evento, realizado, segundo lembrou, no mesmo espaço (Histórica Sala de Sessões do STF) onde há 120 anos, Oswaldo Cruz - que dá nome à Fundação em que atua -, defendeu a vacina de febre amarela, numa época em que o Rio de Janeiro passava por uma situação muito grave. "A Judicialização da Saúde é um assunto que preocupa muito a médicos e professores. Cabe a nós, médicos, colaborarmos, sermos úteis e confiáveis naquilo que o Poder Judiciário deve deliberar", frisou.

Confira a Galeria de fotos do I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: Impactos do Tema 1234