Curso sobre violência doméstica do TRF2 tem roda de debates, palestras e atividades práticas nos 2º e 3º dias de atividades

Dando sequência à programação do curso “Proteção da Mulher contra a Violência Doméstica, Defesa e Segurança Pessoal”, foi realizada uma roda de conversa sobre o tema “Gênero e Sistema de Justiça Criminal” na quinta-feira, 26 de junho, segundo dia de atividades da ação de capacitação. O encontro ocorreu em sala de aula da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região (Emarf), no Centro do Rio de Janeiro.

O curso foi realizado pela escola em parceria com o Grupo de Apoio e de Assistência às Magistradas e Servidoras em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), autor da iniciativa. As atividades foram realizadas de quarta-feira, 25, até a sexta, 27. A desembargadora federal Simone Schreiber foi a mediadora da roda de conversa, da qual participaram a professora da UFRJ/Faculdade Nacional de Direito, Cristiane Brandão; a juíza do TJRJ, Katylene Figueiredo; a promotora de justiça Isabela Jourdan; e a defensora pública estadual Thaís Lima.

Simone Schreiber abriu o encontro exibindo um trecho de uma audiência promovida em 2020, na qual a suposta vítima de um estupro aparece sendo humilhada e intimidada pelo juiz, pelo promotor, pelo advogado do réu e pelo próprio defensor público. A exibição do vídeo sensibilizou os participantes quanto à relevância do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2021. A magistrada destacou como o documento reconhece “a existência de desigualdades e machismo” que se estabelecem de forma sistemática e estrutural.

Na sequência, a professora Cristiane Brandão citou conquistas do movimento de deputadas brasileiras chamado pejorativamente de “lobby do batom”, que lutou pela ampliação dos direitos civis e sociais para mulheres. Também falou sobre como a Lei Maria da Penha se tornou um grande referencial na proteção de mulheres em situação de violência doméstica e os avanços promovidos pela Lei 14.994/2024, conhecida como “pacote antifeminicídio”.

Já Katylene Figueiredo relatou algumas situações vivenciadas à frente da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em Barra do Piraí, quando, muitas vezes, a vítima acredita equivocadamente ter dado causa às violências sofridas. A juíza disse que, frequentemente, durante as audiências, indefere perguntas de advogados, tais como “quantos namorados teve antes?” ou “qual roupa estava vestindo”, que levam à revitimização da mulher.

Logo em seguida, Isabela Jourdan, primeira promotora de justiça a atuar na 1ª Promotoria do Rio de Janeiro especializada em investigação penal de violência doméstica, ratificou as reflexões de Katylene e defendeu a aplicação de políticas afirmativas: “Combater violências de gênero é mais do que um mandamento constitucional; é um dever ético de cada um e de cada uma de nós”, pontuou.

Encerrando a roda de conversa, Thaís Lima mencionou os desafios de acesso à justiça e à rede de enfrentamento por parte das mulheres que sofrem ou sofreram violência, e descreveu as dificuldades que as mulheres enfrentam para não perpetuar o ciclo de abusos. “Vivemos em uma sociedade em que a família é um projeto de vida para a mulher; o rompimento de relações soa, assim, como um fracasso”, ressaltou.

Treinamento prático

Na parte da tarde, o grupo seguiu para o Centro de Instrução Especializada e Pesquisa Policial (CIEsPP) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, localizado no Complexo da Maré. Lá, magistradas, servidoras e demais participantes foram recepcionados pela capitã Paula Rodino e pela cabo Natasha Marques. As duas policiais conduziram o treinamento do dia, composto por conteúdo teórico e prático.

Na primeira parte da programação, a instrutora Paula apresentou dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que reúne informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais. As participantes também receberam folders explicativos e uma cartilha sobre os direitos da mulher.

A instrutora também apresentou alguns estudos de caso, como o da francesa Gisèle Pelicot, que sobreviveu a uma série de estupros orquestrados pelo próprio marido e que, por ter quebrado o paradigma do anonimato, tornou-se um ícone feminista na luta por Justiça.

Na segunda parte das atividades, o grupo se dirigiu para outro polo de treinamento, onde foram apresentadas a técnicas de defesa pessoal. Na oportunidade Natacha Marques, que é presidente da Federação Brasileira de Karatê, explicou que as artes marciais podem ser um instrumento de empoderamento de mulheres: “A autoestima fica elevada. Você muda, a sua postura muda, a atitude muda, então, essas agressões nem chegam a acontecer. Você corta antes”, afirmou.

Defesa da coalizão

Concluindo a jornada de palestras, troca de conhecimentos e experiências e atividades de campo que formaram o curso “Proteção da Mulher contra a Violência Doméstica e Defesa e Segurança Pessoal”, a programação do terceiro e último dia (sexta-feira, 27) teve início com uma apresentação da desembargadora federal Cláudia Franco Corrêa.

A mesa de abertura foi composta também pela desembargadora federal Andréa Esmeraldo e pela juíza federal Michelle Brandão de Sousa Pinto, coordenadora do Grupo de Apoio e Assistência a Magistradas e Servidoras em situação de violência doméstica e familiar na Seção Judiciária do Rio de Janeiro (SJRJ).

Em sua fala, a mais nova desembargadora do TRF2, empossada em novembro de 2024, lamentou que “as instituições que compõem o sistema de justiça não são acolhedoras, não abraçam como deveriam as pautas da igualdade de gênero, do combate à discriminação e da aceitação da diversidade”.

Com essa constatação, Cláudia Franco destacou a importância do evento promovido pelo grupo coordenado, no TRF2, pela desembargadora federal Andréa Esmeraldo em parceria com a Emarf, e defendeu que pautas com essa temática sejam suscitadas sobretudo pelas pessoas que sofrem os efeitos diretos do preconceito: mulheres, pessoas trans, e a comunidade LGBTQIAPN.

Isso porque são representações que têm a autenticidade, a vivência e a legitimidade para conduzir o debate, propor estratégias de enfrentamento às desigualdades e apresentar reivindicações: “O conhecimento dessa realidade vem de forma hereditária. Nossas avós sofreram isso, nossas mães sofreram isso assim como nós ainda sofremos hoje”, refletiu.

A desembargadora lembrou que se trata de um trabalho cotidiano e que exige união: “Precisamos de coalização. Precisamos entender que a dor de uma é a dor de todas e que a luta de uma é a luta de todas. Se não nos unirmos não daremos passos concretos para a transformação”, alertou.

A última atividade do curso foi conduzida pelas psicólogas e servidoras Isabela Lopes Gonçalves (TRF2) e Aniele Xavier (Seção Judiciária do Rio de Janeiro) que apresentaram conceitos sobre as causas típicas e as características comuns às várias formas de violência enfrentadas pelas mulheres em razão da sua própria condição de gênero.

As raízes do problema, revelaram, são estruturais e estão entrelaçadas com valores culturais transmitidos de geração em geração. As formas mais evidentes e criminalizáveis de violência são, assim, a ponta de uma escala de práticas relacionadas ao machismo que deforma as relações de gênero no cotidiano: “Não podemos falar de violência doméstica, que é o tema central deste treinamento, sem mencionar que as mulheres, de forma geral, sofrem pequenas violências diárias, que são normalizadas na nossa sociedade. No contexto social, normalizamos essas práticas de tal forma que elas deixam de ser percebidas”, lastimou Isabela.

Fonte: Em colaboração com a Assessoria de Comunicação da SJRJ